Uma moeda pelo teu pensamento

– Tenho aqui uma pele no dedo, está a chatear-me, apetece-me arrancá-la com os dentes, mas a última vez que fiz isso arrancou-me pele a mais, fiquei com uma ferida no dedo, demorou uma data de tempo a passar. Antigamente andava com um corta-unhas no porta chaves por causa destas coisas. E a mania de roer as unhas quando elas começam a ficar grandes demais, assim tinha o corta-unhas cortava as unhas e não havia mais nada para roer. Só que por vezes entusiasmava-me e começava a cortar as peles e cortava demais, ficava com feridas, uma vez cortei tanto as unhas e as peles que depois tive que por um penso em cada dedo. No dia a seguir tinha um trabalho para apresentar, ninguém prestou atenção ao que eu dizia, estavam todos de olhar fixo nos meus dedos e expressão interrogativa.

– E ninguém perguntou o que te tinha acontecido?

– Não, limitaram-se a olhar. Agora já não ando com o corta-unhas, uma vez um amigo estava a tentar arrancar um prego, já não me lembro de onde, e usou o meu corta-unha para o efeito, ficou uma proeminência mesmo no meio da lâmina, deitei-o fora. Agora tenho um saca caricas no porta chaves, sempre tive a ideia que um porta chaves que se prese deve ter uma utilidade prática. Houve uma altura que tinha uma lanternazinha, mas era de plástico e partiu-se. As coisas de plástico realmente, não são nada resitentes. Hoje em dia fazem tudo de plástico, até é difícil de imaginar o que seria se não houvesse plástico. Eu por exemplo, tenho uma escova de dentes que é de plástico e sempre tive desde criança, sempre foi de plástico. O meu avô contou-me uma vez que a primeira escova de dentes que ele teve, era feita de madeira e as cerdas eram de pêlo de javali, e tinha um pente ele, de corno. Eu já tive um pente de madeira, mas partiu-se, empenou uma vez com a humidade e partiu-se ao meio, o meu pente de plástico acabou por ser mais resistente do que o de madeira.

– Precisas de sair mais de casa, estava a pensar em irmos beber um copo ali ao “Project”, sempre é bom para desanuviares as ideias. Ficar em casa a ver televisão o dia todo não te faz bem nenhum. Há uma vida a acontecer lá fora, as pessoas conhecem-se, riem, contam histórias, vão a concertos, ao cinema. Convívio é óptimo.

– Lá no “Project” servem sempre o beirão em copos de plástico, quando acabo o licor não resisto em partir o copo aos bocadinhos, e depois se não tiver nenhum caixote do lixo ao pé acabo por pôr os bocadinhos de plástico pegajosos no bolço, os dedos ficam pegajosos, e eu lambo-os à socapa, e acabo sempre a roer as unhas. Uma vês conheci uma miuda lá no “Project”, ou foi ela que me conheceu, já não me lembro bem, axo que fomos colegas na escola, até me sentei com ela na esplanada a beber o meu beirão, e até resisti e não parti o copo em bocadinhos mas depois ela teve que atender um telefonema, quando voltamos à conversa eu já estava a roer as unhas e o cópo já estava cuidadozamente enfiado, aos bocadinhos dentro do meu bolço.

– E então falavam sobre quê?

– Já não me lembro, entretanto ela foi lá dentro e eu fui me embora.

– Foste embora?! Então porque não ficaste? Não é todos os dias que se mete conversa com uma miuda.

– Não sei bem, estava frio, axo eu…

– Sabes que mais… Os teus pensamentos não valem uma moeda.

– Talvez um corta-unhas?

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